Papalatria – é possível amar o Papa demais?
Vez em quando aparece por aqui algum comentarista protestante (antigo ou renovado) que acusa os católicos de papalatria. Com essa acusação, eles afirmam que o ensinamento católico idolatra o Sucessor de Pedro, dizem que supervaloriza os ensinamentos do Magistério em relação à Tradição, sustentam que superdimensiona a importância do Papa diante da Sagrada Escritura… Mas será possível amar demais o Papa? Parece que tudo depende da concepção que se tem deste homem, que é o bispo de Roma e o Primeiro entre os Apóstolos.
A reflexão conterá 3 momentos: uma abordagem filosófica e outra teológica. A segunda, porém, será dividida duplamente. Primeiro uma reflexão da questão à luz da Sagrada Escritura; em seguida, uma leitura eclesiológica da questão.

1. Abordagem Filosófica
Pode parecer estranho, mas é possível refletir humanamente sobre a conveniência ou não de se amar o Papa. Há uma abordagem filosófica sobre a autoridade e é o que se fará brevemente. Como pode ser lido em outro lugar (link aqui), o culto de latria caracteriza-se pelo “amor absoluto que se deve ao Ser Absoluto”. Ao contrário do que se pensa, porém, esta atitude de adoração é primeira e principalmente uma virtude humana. Mesmo entre autores pagãos, como o poeta Virgílio, a atitude de louvor à Divindade é tratada como necessária para uma vida justa, plena e feliz. Ora, neste panorama ético, fica claro que estão vedados amores desmedidos a outros entes, que não ao Divino. Portanto, a virtude da gratidão, que tem a religião como fruto e o amor de latria como uma das suas expressões, orienta-se para Deus por causa da autoridade e da superioridade deste ente em relação a todos os outros . Mas há outros entes dignos de amor e respeito, além de Deus.
Bem, a questão da autoridade é bastante discutida em filosofia. Sabe-se que a reflexão moderna, tendo Descartes como arquétipo, nega toda autoridade e sua consequência, a tradição. Ora, se a virtude da religião está fundada na autoridade de Deus, e se o valor da autoridade perde importância em certa reflexão filosófica, a consequência é que a religião deixa de ser virtude humana para ser ato de fé, isto é, a religião deixa de ser ação natural para tornar-se ato estranho à natureza humana. Contudo, a autoridade também funda outros amores, além do amor a Deus. A filosofia ensina, por exemplo, que o amor aos pais e aos educadores também encontra sua razão e justificativa na virtude da gratidão: são as chamadas virtudes de veneração. Ora, o Papa é uma autoridade no campo religioso. Aliás, a simples existência de um “Papa” deveria questionar a todos sobre a natureza da relação com Deus. De fato, se um “Papa” é possível, como portar-se pessoalmente diante dele? De certa forma, e essa conclusão parece estabelecida, criticar a figura do Papa revela desconfiança acerca ou da autoridade de quem o constituiu, ou do exercício dessa autoridade, com a simultânea valorização da própria autoridade. Em resumo, é óbvio que o amor de latria não é devido ao Papa, nem ao pai, nem à mãe, nem aos professores, nem a qualquer outra autoridade, excetuando-se Deus. Mas, sim, o amor de veneração, o amor respeitoso, é devido a autoridades morais e civis, como a professores, a parentes e, por que não?, ao Papa. Portanto, retornando ao problema inicial, claro que é possível a alguém devotar amor demais ao Papa, mas apenas se orientar a este homem o amor unicamente devido a Deus. Mas quem seria tão tolo? Quem cometeria tal absurdo de idolatria? Pois bem, se a reflexão filosófica reserva um justo amor às autoridades, se a rejeição ao amor às autoridades é, no fundo, a superestima de sua própria opinião, quais limites há nesse campo? Nesse caso, é mais útil procurar outras fontes para aprofundar o assunto.
2. Abordagem Escriturística

A Sagrada Escritura ensina que Pedro é “O Primeiro” dentre os Santos Apóstolos. Mas de onde se tira essa doutrina? Da meditação da Palavra de Deus. Com efeito, ocorre que São Pedro não foi o primeiro a ser chamado por Nosso Senhor. Como se sabe, foi Santo André, irmão de São Pedro e discípulo de São João Batista, quem primeiramente foi chamado pelo Senhor (cf. Jo 1, 40). Apesar disso, em todas as listas de apóstolos dos Evangelhos Sinóticos, São Pedro aparece com destaque, e é chamado literalmente de “o primeiro” pelo Evangelho de São Mateus (Mt 10, 2ss; Mc 3, 16ss; Lc 6, 14ss). Ora, se São Pedro não é o primeiro pelo Chronos, é pelo Kairos; se não é o primeiro pela natureza (pois este lugar é de André), ele tem seu primado pela Graça, pela Vontade Santíssima de Nosso Senhor. É a Pedro, o primeiro, que o Senhor dará as “Chaves” (cf. Mt 16, 16ss): “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus” é a promessa de Nosso Senhor a Pedro. Ora, essa é autoridade de Pedro sobre os outros Apóstolos, autoridade querida pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, que o instituiu “primeiro entre os apóstolos”.
Em uma sociedade desejosa de “demopatias”, saudosa de “demotites”, de sociedades doentes pela “opinião da maioria”, essa eleição soa muito mal. Mas desde quando o cristianismo soa bem para os homens? Quando foi que não houve perseguições e incompreensões contra a Igreja durante a história?
3. Abordagem Eclesiológica
Pois bem, se Pedro é “O Primeiro”, como diz São Mateus, basta mostrar agora que ele é o primeiro Papa, isto é, o primeiro bispo de Roma. Ora, seu túmulo está em Roma, embaixo da Basílica de São Pedro, como prova de seu martírio pelo Nome de Nosso Senhor e da sua ação naquela Igreja durante os primeiros séculos do cristianismo. O Papa é uma função, concedida ao Bispo daquela cidade. Sendo assim, está claro que São Pedro, o primeiro, foi o Papa da cristandade nos seus primórdios. É o que nos diz Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica, l. 2, cap. XIV:
6. Não chegaria muito longe esta prosperidade. De fato, pisando em seus calcanhares, durante o próprio império de Cláudio, a providência universal, santíssima e amantíssima dos homens, levava sua mão em direção a Roma, como contra um tão grande flagelo da vida, o firme e grande apóstolo Pedro, porta-voz de todos os outros devido a sua virtude. Como nobre capitão de Deus, equipado com as armas divinas, Pedro levava do oriente aos homens do ocidente a apreciadíssima mercadoria da luz espiritual, anunciando a boa nova da própria luz, da doutrina que salva as almas: a proclamação do reino dos céus.
Ser Papa é função, função dada por Nosso Senhor a Pedro. A Igreja, ouvindo o Espírito Santo, entendeu que esse dom para humanidade não terminaria com a morte do Santo Apóstolo e compreendeu que essa dádiva é transmitida aos outros bispos de Roma, lugar do martírio do Primeiro. Ora, amar e respeitar o “Guardião das Chaves” nunca será demasiado ou inconveniente. Antes, foi o próprio Senhor Jesus quem no-lo deu como Chefe. Quem, ouvindo a Escritura, desobedeceria a esse mandato do Senhor? Se se deve amar o inimigo, o que se dirá do escolhido pelo próprio Senhor Jesus para Chefe da Igreja? Então, é possível amar o Papa demais (assim como é possível amar demais o dinheiro, o poder, a própria opinião, um partido político, um grupo religioso, um centro de estudos, um professor de latim ou tradutor, etc…). Contudo, nunca se amará demais a Vontade de Deus, pois sua natureza excede muitíssimo a capacidade humana. Logo, amar o Papa Pedro, ou o Papa Bento, ou o Papa Francisco em razão do que ele é, Coluna e Guardião da fé cristã, nunca fará com que se ame demasiadamente este homem. Pois só ama demasiado aquele que ama objetos indignos ou objetos dignos na ordem errada. Ora, o favor de um Papa à humanidade é tão grande, por sua função sobrenatural, que não é possível amá-lo demais, guardando-se apenas o cuidado de certificar-se de que se o ama em razão de sua função diretiva em fé e moral.