O que aconteceria se…
Pudéssemos participar de reunião de pauta de alguns programas humorísticos atuais
É claro, é só um exercício literário…

A sala de reuniões, na cobertura de um prédio no Jardim Botânico, aguarda os comediantes do famoso humorístico brasileiro. O primeiro chega. A sala está arrumada, mas só estão presentes as cadeiras vazias e Dona Luiza, que arruma a sala para a reunião. Meio aos berros, simulando algum interesse, o ator abraça a auxiliar de serviços gerais:
– Tudo bem, Dona Luzia? Como está o pessoal em casa, tudo bem? – Ao largar a senhora já saca de seu bolso o iphone e começa a navegar.
A senhora já idosa responde, um tom mais baixo que o ator, que não percebe o acontecido.
– É Luiza…
Simulando alguma intimidade, continua o ator ainda estriônico:
– E o maridão, Dona Luzia?
Ele não lembra que Seu Juca faleceu há 3 anos, mas Dona Luiza não pretende corrigir o chefe: – Tudo bom, seu Bronx.
– E a família? Como foi a Ceia de Natal, tudo bem, né?
Dona Luiza sente um arrepio na espinha. A neta de Dona Luiza fez primeira comunhão no fim de semana e, dois dias antes, a nora mostrou o vídeo satírico em que a equipe do ator fizera chacota do Natal. Ela é Mesc na paróquia e não gostou do vídeo, mas finge para o patrão que tudo está bem.
– Tudo bem. (Como a voz um pouco tremida, arrisca contar sua Ceia). Fui à missa com minha família…
O comediante corta, seco. Já sentado na cabeceira da mesa e sem levantar os olhos, enquanto ajeita o relógio no pulso, pergunta com clareza.
– Tem água, Dona Luzia?
A funcionária interrompe a história, entende o recado, e pega uma garrafa de San Pellegrino para o humorista. Ela não queria contar sobre sua Ceia para o seu chefe. Ela só começou a descrever a sua noite porque acreditou que a pergunta sobre a sua Ceia tinha sido realmente sincera. Depois de servi-lo, Dona Luiza sai da sala. Nervoso com o atraso dos colegas, o humorista nem percebeu.
O segundo a chegar é Louis, por uma porta lateral.
– E aí? Beleza?
– Tranquilo, responde Bronx. Como é que foi o Natal? (Um sorrisinho nos lábios, enquanto twitta).
Louis gargalha: – Caraca! Bombô! Não disse?
– Quem bancou foi a Anastasia – E a humorista acaba de abrir a porta da frente.
– Calorão dos infernos! Qualquer dia eu derreto nesse Rio de Janeiro. Que é que tem eu?, tirando o óculos Ray-ban.
– Disse pro Louis que sua intuição deu certo de novo – Enquanto ainda falava chega o último membro da equipe, Francis.
– Caraca, mermão! Tá impossível o trânsito no Rio!
– E você ainda mora aqui do lado. Imagina o Louis que mora na Barra?
– Nem fala, Bronx. E como está o novo apê? O Leblon é caro pra c…
– Depois a gente fala. Vamos à reunião. Tenho que buscar meus filhotes no São Bento.
Quando os membros da equipe chegaram, começou de fato a reunião de pauta para o vídeo do mês. Contudo, Marx Bronx, Louis Chapman, Francis Gauthier e Anastasia Chestochova não conseguiam falar de outra coisa, senão do vídeo do Natal. Francis ignorou o chamado de Bronx.
– Caramba! Viu a repercussão? – disse o Francis animado. Dona Luzia entrou na sala de reunião depois de Francis e servia água San Pellegrino a todos.
– Eu disse que ia arrebentar! – pontificou a única mulher da equipe, neta de imigrante do leste europeu – Obrigado, Luiza.
Dona Luzia sorriu quietinha e foi arrumar o aparador.
Chapman fez coro para a opinião de Anastasia: – Não tem erro, pessoal. É só mexer com esses carolas que dá nisso… Primeirão no Youtube!
– Tá, tá (corta Bronx), o que vamos fazer nesse mês? – tentando iniciar a reunião.
Anastasia toma a palavra: – Eu tive uma ideia! A gente pode falar das enchentes no Espírito Santo e da Baixada. Choveu um pouco e o pessoal perdeu tudo. Muita gente sem teto e…
Chapman interrompe, enquanto rabisca um papel em cima da mesa: – Não dá.
Anastasia se cala, aguardando a explicação. Continua o colega, depois de bater levemente com o punho na mesa e recostando-se na cadeira, enquanto morde o fundo da caneta: – Fechei um contrato com a Caixa mês passado.
– Que Caixa, Louis? Tá maluco?
– Você não entendeu, né Bronx? Também, fica aí twittando durante a reunião… Caixa Econômica Federal, o banco das casas populares. Não posso assinar com o pessoal do banco e no mês seguinte criticar a falta de casa, entendeu?
– P*Q*P*, Chapman! Logo agora, cara? – explode Francis.
– Que é que você quer, Francis? Mudei, p*r7@ !, subindo o tom. Tenho que pagar aquele apartamento…
Uma voz feminina tenta acalmar os ânimos: – Tá bom, tá bom. Fica pra próxima – Olhando fixamente para Louis Chapman, com papel e caneta para anotar, a menina pergunta: – Quando termina o contrato?
Displicentemente Louis responde: – O contrato é longo, Anastasia. E pode ser renovado. E esse ano ainda tem eleição… Sei lá.
– Ah, não – diz Francis, jogando o corpo no encosto da cadeira e a cabeça pra trás. – Vamos ficar amarrados a seus contratos, Louis?
Ao perceber por um momento entre cliques que o contrato é longo, Marx Bronx suspira barulhentamente na cabeceira. O que provocou uma reação desmedida de Louis.
– Que foi, Bronx? Tá de palhaçada? Já esqueceu que quando a gente queria fazer a sátira do Dirceu você deu chilique?
– Não foi chilique, não. É uma questão de princípio! Não podemos criticar o PT. Essa agência só existe por causa deles, é uma posição ideológica. A “Cara de Pau” não vai criticar o PT enquanto eu estiver aqui!
Dona Luzia franziu a testa e olhou de soslaio para os pés que estavam na cabeceira da mesa, enquanto pegava uma bandeja de copos para levá-la para a copa.
– Por quê? Por quê, p*7r@! Os caras roubaram! – disse um Louis um pouco avermelhado.
– Pera lá – interferiu Anastasia! – Isso é coisa da mídia vendida. A Veja falsificou aquelas informações, tá claro, Louis. Eles não roubaram nada.
– Mas essa discussão não leva a lugar nenhum, isso não adianta nada, Louis. Temos de ver a pauta desse mês.
Chapman joga o braço esquerdo nas costas da cadeira e dessa vez solta um suspiro preguiçoso. – E a Petrobras? Venderam a estatal e…
– Tá de brincadeira, né, Louis. Você não pode se indispor com a Caixa mas eu posso com a Petrobras?
– Mas venderam a petroleira, Francis?
– E as pessoas estão sem casa, Louis? Se investissem os R$ 300 milhões gastos com passeata LGBT para dragar os rios e margens não haveria…
Novamente intervém Anastasia, mas a doçura abandonou sua voz: – Não, não, não! A causa homofóbica é fundamental e não pode perder verba. Não podemos criticar essa posição estratégica do governo em defesa de uma minoria violentada e…
– Para Anastasia! Somos nós. Hei, somos nós… Não tem câmera aqui, não. A gente sabe que esse dinheiro vem mas volta pro governo na época das eleições…
O silêncio toma conta da sala.
E de repente um Louis irônico aparece: – e seu irmão ser presidente da ONG que mais mama no governo as verbas para essas passeatas não tem nada a ver com sua defesa estratégica, né?
O caos se instalou na sala. Anastasia ofendia Louis e dizia que ele estava assim porque o namorado dele estava o traindo com o irmão dela. Já Louis berrava, agora loucamente enquanto beberica Pellegrino, dizendo que Chapman só pensa em dinheiro. É quando Bronx levanta a voz:
– Tenho uma ideia. Em janeiro tem uma festa muçulmana importante e…
Um coro rasgou como um raio o frio ar gelado da sala de reunião: – Tá maluco, Bronx!!!
– Quer morrer, miserável! Os árabes vão até o São Bento pegar seus filhos.
– Você ainda não tem filhos, né Chapman. Mas eu sou mãe, e minha filha? Ela estuda no Santo Inácio. Todo mundo sabe quem ela é. Se a gente critica o islamismo estamos ferrados.
Depois de certo tempo, a confusão acalmou, Bronx tomou a palavra. Enquanto passeava o dedo por seu iphone, disse quase sussurando:
– Tá f**a, esse mês – cabeça apoiada na mão esquerda, dedo deslizando pela tela do aparelho, completou – Quando é a Páscoa? Os católicos são uns babacas mesmo…
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