Nem só um iota…
Não se trata de ocupar-se demasiadamente com as exigências dos mandamentos. Trata-se de ocupar-se com as normas realmente importantes. Compreender as verdadeiras exigências morais do Evangelho não é moralismo, mas seguimento fiel de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, multiplicar as regrinhas morais, perdendo de vista o essencial, não é verdadeiro discipulado, mas um novo modo de pelagianismo mitigado
As leituras desse domingo iluminam um tema sempre controverso do cristianismo: o que é moralismo? O texto de Deuteronômio e o Evangelho de hoje levantam a questão: cumprir os mandamentos é legalismo ou não? Preocupar-se com o dever-ser cristão é exagero moralista ou não?
O texto de Deuteronômio faz uma advertência aos israelitas, uma advertência que é também uma promessa: terão vida e receberão a recompensa feita aos patriarcas, os que cumprirem os mandamentos dados por Deus:
“Guardai os mandamentos do Senhor, vosso Deus” (Dt 4, 2).
O cumprimento dos mandamentos está unido a uma promessa inaudita antes de Israel: Deus estará próximo da nação que guardar as palavras do Senhor. Não é que o cumprimento dos mandamentos fará o homem elevar-se à altura de Deus. A promessa é que Deus se deixa tocar por aquele que se ocupa e considera suas palavras. E por isso Ele mesmo desce à altura do homem e essa é a Boa Nova: Deus vem ao encalço da humanidade. Contudo, a promessa é para o cumprimento dos mandamentos de Deus. Os homens, no entanto, criaram novas leis, novas tradições. E é contra essa visão legalista e escrupulosa que o Senhor Jesus se levanta:
“Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7, 8).
Não se trata de afirmar que é moralismo ou pelagianismo o simples cumprimento dos mandamentos. Moralismo é seguir qualquer tradição moral só porque é tradição moral. De fato, a perda de princípios morais claros é justamente o que leva à multiplicidade de regras arbitrárias, que são mais uma distorção da moral do que a exacerbação da moral. O que o Senhor Jesus parece criticar não é o cumprimento dos mandamentos, mas a criação de pseudos-mandamentos que fazem com que se perca a essência dos mandamentos. Para iluminar essa tensão entre os textos, é sempre bom relembrar a palavra de São Mateus em seu Evangelho:
“Passará o céu e a terra, antes que desapareça um jota, um traço da lei” (Mt 5, 18).
Não se trata de ocupar-se demasiadamente com as exigências dos mandamentos. Trata-se de ocupar-se com as normas realmente importantes. Compreender as verdadeiras exigências morais do Evangelho não é moralismo, mas seguimento fiel de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, multiplicar as regrinhas morais, perdendo de vista o essencial, não é verdadeiro discipulado, mas um novo modo de pelagianismo mitigado. Lembro-me das palavras de Bento XVI:
Quem dissolve a religião, transformando-a em moral, priva-a de elementos decisivos. Mas quem cancela a exigência moral da imagem cristã de Deus desconhece precisamente este Deus de modo decisivo” – Fonte.
A essência da Boa Nova não é moralismo simplista. Mas o seguimento de Jesus Cristo que não passa pela vida não compreende a profundidade o mistério da Encarnação do Verbo.