Entrevista com Monsenhor Pedro Cunha Cruz
No dia 24 de novembro de 2010, o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, anunciou a ordenação episcopal de três sacerdotes. O Monsenhor Pedro Cunha Cruz foi um dos eleitos para a elevação ao episcopado. Para iniciar os artigos do ano de 2011, o blog Non Nise Te! conseguiu uma entrevista com o Monsenhor Pedro Cunha. Ele falou sobre a notícia sobre o episcopado, sobre os desafios de docente na PUC-RJ e refletiu sobre a formação dos sacerdotes no Rio de Janeiro. Ao final, deixou uma mensagem aos fiéis católicos do Rio de Janeiro.
* * *

Monsenhor Pedro, acho que todos estamos curiosos sobre um ponto: qual a sensação de ser convidado ao ministério episcopal tão jovem? É uma missão grande e deve ter provocado alguma surpresa.
A sensação que senti no momento foi de surpresa e alegria, simultaneamente. A grandeza e importância do chamado nos levam ao reconhecimento de nossa pequenês diante da missão. Mas devemos sempre responder ao chamado de Deus. Se dissemos Sim a Ele no sacerdócio, como não dizer quando Ele mais necessita de nós nesta árdua missão. Alegria porque sentimos forte o amor de Deus quando somos conscientes de nossa limitação. Deus sempre capacita os seu eleitos.
Há uma renovação do sentimento religioso no Rio de Janeiro, Monsenhor. A formação dos leigos não acompanha essa busca pelo religioso. Como o senhor analisa esta situação na Arquidiocese do Rio de Janeiro?
A Arquidiocese do Rio sempre foi pioneira na formação do laicato, com o propósito de sempre preparar os membros de nossa Igreja, dentro do espírito do Vaticano II, para responder os desfios “Ad Intra” e “Ad Extra“, isto é, dentro da Igreja e na Sociedade como um todo. Daí estarmos resgatando o curso de Ciências Religiosas, que deve retornar no ano de 2011. Este ajudará muito os nossos leigos na compreensão e acompanhamento desta renovação religiosa.
Caro Monsenhor, o site do Vaticano veicula que sua formação teológica ocupou-se das questões de Teologia Moral. Assim, como o senhor compreende a crescente tensão entre a ética relativista ou pragmática contemporânea, comum em ambientes acadêmicos em todo o mundo e no Brasil, e os princípios éticos do cristianismo?
Na verdade, minha formação filosófica é em Ética e Antropologia; já a minha formação teológica é em Teologia Fundamental, que é uma área de fronteira entre filosofia e Teologia. Acredito que toda boa e saudável teologia decorre de uma boa formação filosófica. Sabemos que o relativismo se faz forte e constante na cultura hodierna; mas somos chamados a despertar nos homens valores perenes, isto é, aqueles que se mantêm essenciais, sem desconsiderar a necessidade de uma nova roupagem histórica para que estes mesmos sejam resgatados. O rebuscar da Metafísica seria um bom caminho para um saudável debate com as correntes relativistas, disseminadas em diversas instâncias de nossa cultura; este deve ocorrer sempre respeitando uma continuidade descontínua, ou seja, ver como os grandes representantes do pensamento filosófico-teológico podem nos auxiliar na leitura e interpretação de nossos desafios e problemas. Os clássicos sempre nos oferecem uma boa chave de leitura.
Desde sua ordenação sacerdotal, o serviço com os candidatos ao sacerdócio foi sua tarefa cotidiana. Diante do seu trabalho na Arquidiocese do Rio, que diagnóstico o senhor faz em relação à média nacional? Qual o horizonte da formação sacerdotal no Rio de Janeiro?
Sabemos que nossos seminaristas ou futuros presbíteros, antes de entrarem no Seminário, vêm de uma formação, na grande maioria, precária. O homem acaba sempre sendo, em certo sentido, fruto do seu meio. Esta carência se reflete dentro do período de formação acadêmica. O nosso desafio como formador não pode ser outro que aparar estas arestas deficitárias. O nosso horizonte é aquele de sempre pensar uma formação de excelência para nossos seminaristas. Primamos sempre por uma qualidade de estudo, formação e cultura, capaz de formar o homem de maneira integral. A cultura é uma das facetas da natureza humana que melhor expressa sua identidade. Por isso, nossa formação deve sempre estar em busca deste ideal.
Monsenhor Pedro Cunha, o tema ético é grave, especialmente no meio universitário. Quais desafios sua vida de docente da PUC-RJ enfrentou para o diálogo entre o anúncio do Cristianismo e a cultura atual?
O maior desafio que encontrei na minha docência na Puc-Rio foi aquele de levar os universitários a valorizarem a Filosofia, isto é, fazer com que eles tomassem gosto pelo saber. Afinal, Saber(Sapere) e Sabor(Sapore) têm a mesma raiz etimológica. Saber significa tomar gosto para. Não nascemos gostando de tudo, mas, no curso da vida, aprendemos a gostar de algo que, inicialmente, era carregado de rejeição e preconceito. O meu papel como professor de filosofia neste ambiente acadêmico era o de dar uma formação integral aos jovens; na linha de um humanismo integral, isto é, que valorizasse os aspectos fundamentais do ser humano e sua descoberta e realização no Transcendente. Somente a partir deste aspecto formativo é que podemos passar para uma sólida formação Ética, onde valorizamos os aspectos universais da mesma. Neste sentido, o Cristianismo tem muito a acrescentar na formação ética do indivíduo.
Prezado Monsenhor, há um viés tradicional muito forte no Rio de Janeiro. Que desafios o senhor espera no seu próximo ministério?
A última eleição para presidente do país revelou um tendência forte do eleitorado em discutir valores. O tema da vida foi debatido amplamente. O senhor acha que a discussão acerca desses temas irá retroceder ou haverá um aprofundamento das questões? O que seria melhor para o Brasil?
O debate sobre o aborto nas últimas eleições mostrou claramente aos nossos candidatos que este tema não pode ser considerado irrelevante; por isso, não pode ficar na periferia. O que era considerado insignificante mostrou-se de grande valia para o nosso eleitorado. A vida tem e sempre terá para nós um significado sagrado. A grande sacada do povo foi mostrar que a religião não se mistura com a polítca, mas os políticos governam um povo que, na sua grande maioria, é cristão. Isto significa mais de 70% de nossa população. O Estado é laico, mas o nosso povo tem um forte sentimento religioso de valorização da vida. Acho que este tema sempre voltará em nossos debates políticos e a vida será sempre um dom sagrado de Deus e, por isso mesmo, inviolável.
Prezado Monsenhor, a sociedade brasileira não está mais cristã que há 30 anos. Que desafios o senhor espera no seu próximo ministério?
Um dos sintomas atuais de nossa sociedade é a secularização, o indiferentismo religioso, o agnosticismo e a descrença na Igreja-Instituição. A Igreja no curso de sua história sempre encontrou desafios e, sendo ela guiada pelo Espírito de Deus, buscou responder estes mesmos, cumprindo o que o Senhor já dissera: “Eu vos envio como cordeiros no meio de lobos”, mas sempre devemos estar preparados para dar razões de nossa fé e esperança a todos aqueles que nos demandarem. O papel da Igreja como Sacramento de Cristo no mundo será sempre este. É neste sentido bíblico-teológico que devemos impostar o nosso ministério episcopal. Acredito que o diálogo com a cultura seja o melhor caminho para reevangelizá-la.
Agradecemos a disponibilidade, Monsenhor. Que palavras o senhor poderia deixar para o fiel católico brasileiro do século XXI, desejoso de Amar a Deus e sua Igreja, ansioso por aprender e com acesso a informações rápidas pela internet?
A religião é uma das dimensões da natureza humana. O homem, no fundo do seu ser, tem sede de Deus. Não devemos jamais abandonar o projeto de Deus por conta dos desafios; eles sempre foram um estímulo a seguirmos adiante. Nós trabalhamos pela semeadura do Evangelho de Cristo, mas é sempre Deus que, com sua graça, faz crescer. Recordo as saudosas palavras de D. Estevão Bettencourt aos alunos que estudavam e aprofundavam o conhecimento da fé, em meio a vários desafios do mundo pós-moderno: “Guarde sua paz, entregue-se a Jesus. Continue a trabalhar firme. Olhe para o presente e o futuro com absoluta confiança em Deus“. Faço minhas as palavras dele para estimular nossos leigos na fé e na superação dos desafios do mundo atual. Santa Teresa D’Ávila já nos ensinava: “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa só Deus permanece“. A figura deste mundo passa; por isso, devemos fixar nosso olhar para as coisas que não passam, isto é, para aquelas que são eternas. Não temos neste mundo morada permanente, mas esperamos a morada Eterna de Deus.