Antes do Reinado Social de Cristo…
Ou da Tentação do Cisco
Ainda estou estudando Teologia Moral e Doutrina Social da Igreja (DSI), de modo que não me sinto capaz de pronunciar qualquer opinião minimamente segura e bem fundamentada sobre como deve acontecer o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Creio que deve acontecer, mas o modo como precisa ser implementado e qual a natureza desse domínio ainda não me é muito claro. E sinceramente, acho muito presunçoso quando alguém responde muito rapidamente a essas questões, como se fora algo bastante simples e evidente. Bem, contudo, há algo anterior a esse tema, algo que precisa ser implementado urgentemente a fim de que se prepare a submissão das realidades materiais a Cristo. Há um pressuposto necessário para o Reinado Social de Cristo.
De fato, já faz algum tempo que o debate sobre a urgência em implementar no Brasil o senhorio de Deus sobre as realidades sociais acontece. Uns negam a necessidade de se submeter todas as realidades sociais ao âmbito religioso; outros não abrem mão de que o catolicismo impregne cada momento da vida particular, cada perspectiva do horizonte privado, cada mínimo aspecto social da nação brasileira. Tais pessoas garantem que o país terá menos episódios de violência, defendem que diminuirá a desobediência aos princípios éticos mais básicos, sustentam que a caridade e a justiça serão mais respeitadas, que a vida humana finalmente será priorizada sobre o lucro e o pecado. Enfim, segundo esses teóricos, o Reinado Social de Cristo vai fazer com que a sociedade aceite os planos de Deus para as realidades naturais. Grosso modo, os defensores de um Estado Confessional Católico sustentam que a submissão do poder civil ao religioso fará do Brasil uma nação mais agradável a Deus. Pode ser…
Contudo, Nosso Senhor já advertiu-nos sobre a tentação do cisco (Cf. Mt 7, 5). Antes de ser guarda do olho alheio, Nosso Senhor ordenou que nos preocupássemos com a nossa própria vista: cuidemos de nossa trave, antes do cisco do irmão. Sem perder de vista essa norma evangélica, importa meditar sobre as relações entre as realidades temporais e os desígnios de Deus. Que condições são necessárias para que o Reinado Social de Cristo seja implementado? Para que Jesus reine em nossa sociedade e que haja a pretendida submissão das realidades temporais à autoridade eclesial, há de se desejar, antes, um Reinado Eclesial de Cristo. Explico-me: a pretensão de que Jesus Cristo e seus desígnios sejam respeitados e cumpridos no século, deve antes de tudo ser preparada pelo cumprimento dos desígnios de Jesus Cristo na Igreja que Ele criou. Assim, antes do Reinado Social de Cristo, urge pôr em marcha o Reinado Eclesial de Cristo. Por exemplo:
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- Em hipótese alguma o Reinado Eclesial de Cristo pode esquecer que é proibido a construção de quaisquer templos religiosos (igrejas, mosteiro, capelas ou oratórios) sem a autoridade do Bispo ou do Ordinário Local (Cân. 1215 — § l. Não se edifique nenhuma igreja sem o consentimento expresso do Bispo diocesano, dado por escrito). Afinal, se os homens não se submetem ao Reinado de Cristo na Igreja porque se submeteriam ao Reinado de Cristo no Século? Quem não é fiel no que é mais fácil não será no que é mais difícil. Ora, o Reinado Eclesial é logicamente mais simples que o Social. Logo, se não se é fiel no que é mais simples porque ser fiel no que é mais complexo?
- O Reinado Eclesial de Cristo não deixará o fiel esquecer que participar da ordenação de Bispo sem mandato pontifício é excomunhão (Cân. 1382 — O Bispo que, sem mandato pontifício, conferir a alguém a consagração episcopal, e também o que dele receber a consagração, incorrem em excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica). Afinal, se os homens não se submetem ao Reinado de Cristo na Igreja porque se submeteriam ao Reinado de Cristo no Século? Quem não é fiel no que é mais fácil não será no que é mais difícil. Ora, o Reinado Eclesial é logicamente mais simples que o Social. Logo, se não se é fiel no que é mais simples porque ser fiel no que é mais complexo?
- Obviamente, o Reinado Eclesial de Cristo não deixará o fiel esquecer que, se o Século tem o dever de submeter-se ao poder espiritual da Igreja, maior o dever dos cristãos em submeter-se ao representante visível da Igreja. Que se diga que o Código de Direito Canônico define cisma como recusa em submeter-se à autoridade do Romano Pontífice ou daqueles que lhe estão sujeitos (Cân. 751 — (…) a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos). E é bom que os fiéis não recusem a autoridade do Sumo Pontífice, pois o Século também terá de fazê-lo. Enfim, se os homens não se submetem ao Reinado de Cristo na Igreja porque se submeteriam ao Reinado de Cristo no Século? Quem não é fiel no que é mais fácil não será no que é mais difícil. Ora, o Reinado Eclesial é logicamente mais simples que o Social. Logo, se não se é fiel no que é mais simples porque seria fiel no que é mais complexo?
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Para quem não sabe, quero lembrar. Em 1520, ao queimar a Bula Exsurge Domini, que condenava seu ato de rebeldia, Lutero queimou igualmente um exemplar do Código de Direito Canônico, como ato de repúdio ao legalismo e ao rigorismo da Igreja Católica. Lutero dizia que o Direito Canônico e as estruturas administrativas estavam matando o Espírito, estavam destruindo a Igreja e era necessária uma renovação, uma renovação que passava pelo repúdio de toda autoridade da Igreja. Então, se ao ler os exemplos acima você ficou pensando que tudo não passa de letra fria, que o Direito Canônico é uma bobagem que pode ser desconsiderado, parabéns, você está na boa companhia de Lutero!
O Reinado Social de Cristo, portanto, é meta que não pode sair do horizonte. É de fato um télos para a vida pública. Instaurare Omnia in Christo, palavras de São Paulo que viraram lema de Pio X e de São Luís Orione, aponta para a renovação de todas as realidades em Cristo. Mas é fundamental que o imposto para os de fora seja igualmente cumprido pelos de dentro. O Reinado Social de Cristo não pode ser contraditado se comparado ao relacionamento do fiel com a Igreja. Se todos os cidadãos da nação devem seguir as orientações eclesiásticas, mais dever tem aqueles que são cristãos de cumprirem os princípios que aos outros se impõem. Afinal, se a imposição do Reinado Social de Cristo a todos não faz dos cristãos os primeiros cumpridores das regras que a outros pretende impor, o futuro do Estado Católico já está com os dias contados.
2 Comentários
Parabéns !!!
Muito obrigado, Elenice.
Deus a abençoe sempre.