A trave e o cisco
Por que os cristãos aceitariam conselhos de não-cristãos sobre o caminho para a felicidade, para a realização pessoal e para integração da personalidade justamente de quem não é minimamente feliz, nem realizado, nem íntegro na vida pessoal?
Nunca a humanidade testemunhou tantos benefícios materiais como nos últimos 300 anos. Desde o século XVII, o uso da eletricidade modificou o mundo. Por causa dessa descoberta e seus benefícios práticos, a vida de um homem de classe média do Brasil atual – e eu diria até de grande parte da população mais pobre do mundo – faria inveja a qualquer Imperador Romano. Pois veja: no início da Era Cristã, um acidente com uma lâmina ou até mesmo um corte profundo na praia poderia significar a morte ou, no melhor dos casos, uma amputação; no tempo dos césares, as limitações técnicas tornavam ações aparentemente simples da vida, como transmitir um comunicado, algo realmente complexo; a dieta dos maiores Césares de Roma não se compara com a atual oferta de alimentos nas mesas das pessoas comuns (em qualidade e quantidade). No entanto, com o avanço desses benefícios, aumenta também enormemente o número de males que assolam a humanidade, muitos deles brotando das próprias mãos humanas.
Hoje é muito comum descobrir que intervenções humanas sobre a natureza produziram dores, males, mortes. A ação humana faz com que remédios matem (como o caso das pilulas anticoncepcionais no Canadá); acredita-se que a elevada quantidade de casos de síndrome de down no Japão decorre das bombas lançadas pelo próprio homem; o homem ajuda a ciência a produzir destruição em massa,como ocorreu no Nazismo; o número de pessoas que busca dar fim a própria vida é superior a qualquer dado jamais visto. Eis o paradoxo: a sociedade pós-moderna, a filosofia nihilista, a sociedade do “politicamente correto” e da “qualidade de vida” não acha bom viver nesse paraíso terreno. Justamente lá onde as tensões foram submetidas, onde nada falta, onde a educação é excelente, onde a violência é quase zero e… onde a religião foi amordaçada e expulsa, justamente lá é de onde vem os gritos mais lancinantes de ajuda, as solicitações mais desesperadas de socorro. Os recordes de suicídio surgem nas paragens dos países nórdicos, nações com alto nível econômico e social, mas subalimentados espiritualmente, raquíticas de valores humanos e éticos, subnutridas de ideais mais altos.
A despeito disso, a sociedade anti-cristã, a sociedade que se gloria de seu laicismo, essa sociedade quer apontar o caminho da felicidade e da autorrealização para os jovens. Alguns laicistas chegam ao cúmulo de criticar o cristianismo, afirmando que a felicidade cristã é impossível, pois extra-mundana. Se há felicidade, dizem os defensores do laicismo e os ateus cagões, se há felicidade, está aqui nesse mundo. Mas eis que contemplando a vida desses mesmos educadores laicistas, olhando suas vidas de perto, não vemos a felicidade prometida; muito menos a moralidade propagandeada. Pelo contrário, onde o projeto laicista chegou ao seu limite, justamente lá é onde as pessoas têm a revelação derradeira: se isso é tudo, prefiro morrer…
Não, os cristãos não abrem mão de uma premissa: não há intermediário entre verdadeiro e falso. Não há algo como 30% verdadeiro, 50% falso e 20% indeterminado. Ou o que se defende é verdade ou não é. Ora, como uma doutrina que não consegue dar a seus membros noções claras sobre a felicidade e a integração pessoal pode erguer-se para ensinar isso a outros? Os cristãos são as estranhas pessoas que têm a malfadada ideia de que aqueles que não possuem controle da sua própria vida, nem alcançam sua própria felicidade e não são honestos nem consigo mesmos, não são absolutamente as pessoas mais aptas para ensinar-nos a ser felizes, honestos e íntegros. Afinal, por que os cristãos aceitariam conselhos de não-cristãos sobre o caminho para a felicidade, para a realização pessoal e para integração da personalidade justamente de quem não é minimamente feliz, nem realizado, nem íntegro na vida pessoal?
Os cristãos sabem: “Nemo dat quod non habet” – “Ninguém dá o que não tem”. Ouvir de um relativista que a doutrina cristã esta errada é risível; ouvir de um pragmático que a moral cristã está equivocada é ridículo (pois se o relativismo tem razão não existe certo e errado e se o pragmatismo acertou não se pode falar de equívoco). Semelhante juízo é ouvir de uma sociedade atolada em tristeza, depressão, injustiça, justamente nos países onde o projeto laicista foi levado a cabo, que eles podem trazer beleza, luz, alegria e justiça para nossa sociedade, se esta ajoelhar-se diante do laicismo.
Caro amigo laicista, essa eu passo! Deixe-me em paz para cuidar de minha trave e vê se trata de seu cisco.
6 Comments
Excelente texto. Visão bem atual e verdadeira dos dias em que vivemos.
Obrigado, Martha! Deus recompense você e sua família.
Caro amigo Robson, a sua linguagem objetiva, clara e direta nos esclarece sobre temas cotidianos que, por descuido, não percebemos do importante que são.
Santo Agostinho expressa na oraçao, “Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… “, o quão equivocado estamos.
Caramba, muito obrigado, Ricardo. Que eu consiga manter-me fiel ao chamado de Deus.
“Ninguém dá o que não tem.”
Os católicos deveriam ter mais em mente essa frase em seu dia-a-dia! Excelente texto e análise, como de costume! 👏🏽👏🏽
Valeu @