A lição de Jó
Quando se conhecem as razões dos fatos que nos incomodam, quando compreendemos os motivos das dificuldades que nos cercam, a possibilidade de aceitarmos e reagirmos bem a um evento negativo se torna maior. Em certa medida, essa é a tarefa de todo tipo de terapia: dar razões às intempéries que todos sofremos, emprestar algum sentido ao que, à primeira vista, é caótico e absurdo, fazer-nos ver os motivos dos males que sofremos, a fim de que os desafios incomensuráveis pelos quais passamos não sejam entendidos como um capricho maquiavélico do universo contra nós. A racionalização dessas dores é característica maximamente humana e tem o objetivo de liberar o homem de uma luta invencível: quem suportaria uma batalha contra um universo que existisse apenas para frustrar meus desejos e aspirações? Entender as razões que nos trouxeram até a situação lastimosa na qual eventualmente nos encontramos torna possível a sanidade mental e faz com que seja suportável o convívio com tais situações.
Mas acontece que, em muitos casos e até durante muitos anos, as razões pelas quais os matrimônios passam por certas dificuldades não são claras para os casais. Com alguma frequência, os motivos pelos quais passamos por dificuldades em nossos relacionamentos ficam ocultos por décadas. Parece que Deus deseja que caminhemos no escuro, sem entender as razões das dores, sem ver os motivos das crises, sem ultrapassar a neblina colocada diante de nossos olhos, impedindo a visão da realidade. De um modo mais filosófico: parece que o amor humano precisa ultrapassar a barreira da razão para amadurecer definitivamente. Ultimamente tenho refletido sobre esses fatos e acredito que uma luz chegou da estória de Jó.
Veja bem: o personagem do Antigo Testamento, Jó, era um homem de fé. Tinha uma vida materialmente próspera, mas também possuía o respeito de familiares e amigos. E sem que soubesse o porquê, seus bens foram dizimados; sua reputação, atacada; seus filhos, mortos; seu matrimônio, destruído. Tudo isso aconteceu sem que Jó tivesse feito coisa alguma que merecesse tamanha reprimenda. E como as ações que terminaram com seu malefício não foram por ele provocadas, Jó também nada poderia ter feito para evitar que os eventos acontecessem, na intensidade e gravidade com que aconteceram. Só uma coisa o personagem poderia ter feito: manter a fé e amar a Deus, apesar das tragédias que sobrevieram seus negócios e familiares. Jó é um personagem com uma missão específica: explicar que o maior bem que um homem pode ter é Deus. Nem a esposa, nem os filhos, muito menos a própria saúde e os bens foram poupados nessa estória da tragédia humana. A única atitude que Jó poderia ter era ficar onde sempre esteve.
Eis o ensinamento de Jó: ser fiel e seguir amando. Se os bens materiais forem tirados de nós, é preciso ser fiel a Deus e seguir amando. Se nossa honra for colocada sob suspeita, importa ser fiel à promessa feita e seguir amando. Se os filhos forem violenta e injustamente arrancados de nós, não desistamos, sejamos fiéis e sigamos amando. E ainda que nosso cônjuge seja infiel à promessa feita no altar, diante de Deus, é preciso dizer que o único papel realmente digno de um cristão é ser fiel à sua parte da promessa (feita antes de todos a Deus!) e seguir amando aquele a quem garantimos fidelidade, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza, na justiça ou na injustiça: “Deus deu, Deus tirou”.
Amar a Deus e seguir fiel. No escuro. Sem nada entender. Às apalpadelas. Sem ver o caminho. Manter a promessa feita e seguir amando. Entre lágrimas e dores, mas sempre fiel. Pois Jó também ensina que, nesse mundo, nenhuma dor é para sempre. Um dia a prova acaba. E tudo valerá a pena!