A Igreja é a Pérola
O texto do Tesouro e da Pérola, de São Mateus (Mt 13, 44ss), pode dar origem a muitas reflexões: pode-se aplicar à vocação matrimonial, ou igualmente à vocação à vida religiosa. Em ambos os casos, a ideia é bastante clara: o seguimento da vontade de Deus em um estado de vida específico não exime o vocacionado do trabalho de investir, proteger, urbanizar, limpar o caminho para a posse de tão grande e precioso dom.
O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo.
Assim, o que se dá em matrimônio precisa saber que o campo que está prestes a comprar (esposo ou esposa) possui imperfeições inerentes à sua natureza e seu estado de vida. E assim também quem é chamado à vida consagrada: galhos, erva daninha, animais selvagens, insetos incômodos vêm junto com o campo, que contém o tesouro de valor inestimável. Mas uma outra reflexão pode ser feita.
Na perspectiva mais ampla do chamado cristão, a Igreja é o tesouro escondido, a pérola rara, o bem inestimável. Contudo, para possuir o tesouro, é necessário comprar todo o campo, com as imperfeições e limitações inerentes ao tesouro. Ao escolher homens comuns para espalharem o Evangelho pelo mundo, Nosso Senhor não fugiu do escândalo que a vida imperfeita, simplória, iletrada desses homens traria para o sucesso da evangelização. Comparativamente, já disse certa vez Bento XVI, Abraão é menos rico intelectualmente, menos interessante culturalmente, menos profundo espiritualmente que Buda ou um mestre brâmane. As limitações de Isaac, Jacó, Davi, Salomão, além dos erros e pecados de Pedro, Tiago, João, Judas… põem em relevo a inferioridade cultural – e inclusive moral – dessas personagens da fé cristã em relação a outros credos existentes à época. Contudo, a riqueza do tesouro e a beleza da pérola ultrapassam as imperfeições do campo.
Quem deseja tomar posse do tesouro, que é a Igreja, precisa querer também vender tudo e comprar o campo. Precisa abandonar as seguranças da vida tranquila e racionalizada. Precisa abandonar os cálculos mercantis baseados na prudência humana. E precisa tomar posse do campo com seus limites, com suas imperfeições, com as potencialidades que Igreja tem e que foram permitidas pelo Senhor Jesus desde sua criação. Querer o tesouro, sem o campo; a pérola, sem os custos é uma forma de deturpar a promessa de Deus para nós, restringindo suas palavras e diminuindo o Evangelho. Imaginar a Igreja sem os defeitos decorrentes da sua humanidade assemelha-se a imaginar o Tesouro sem as exigências decorrentes de estar num campo: pode parecer razoável, mas é uma abstração redutora. E como Chesterton já disse: toda heresia é um outro modo de apequenar a Igreja.